Às vezes, para algumas perguntas, nós simplesmente não temos respostas. Essa ausência de conclusão não se dá apenas quando o assunto são temas filosóficos que nos fazem “esquentar” os neurônios.
A falta de explicações acontece porque parte da nossa memória (a implícita) armazena dados e habilidades que, para serem ativados, não dependem da nossa consciência ou vontade. Isso explica porque conseguimos realizar atividades, como andar de bicicleta, estando com a cabeça no mundo da lua.
Medir o que o ser humano NÃO diz é a base das neurociências, conjunto de disciplinas que utiliza exames e testes neurológicos para estudar o sistema nervoso e o funcionamento do cérebro.
“As neurociências buscam entender tudo o que está implícito na mente do indivíduo e que será fundamental para a tomada de decisão”, afirma Lucas Copelli, vice-presidente da Nielsen e especialista em neurociência do consumo.
Desde 2014 a Nielsen mantém em São Paulo um laboratório dedicado à neurociência. E porque uma das líderes em pesquisa de mercado no mundo teria um laboratório com essa finalidade? Copelli responde: "Mais de 50% dos fatores que envolvem a decisão de compras são implícitos.”
Batizado de Neurolab, o departamento realiza estudos encomendados por grandes e médias empresas para aferir o impacto de peças publicitárias televisivas e impressas, ações empontos de venda, embalagens de produtos, significados de marca e experiência de consumo.
Os estudos procuram saber como a mente humana reage a estímulos de marcas e como o conteúdo exposto envolve emocionalmente o consumidor.
Os principais estudos desenvolvidos no Neurolab de São Paulo dizem respeito à eficiência de peças publicitárias veiculadas na TV, em razão dos custos envolvidos. Um comercial de 30 segundos pode custar centenas milhares de reais.
Tudo tem início em uma sala com isolação acústica e eletromagnética, onde participantes voluntários assistem separadamente a primeira versão de um comercial. Enquanto olham atentamente a televisão, uma touca com eletrodos capta suas ondas cerebrais por meio de um equipamento de eletroencefalografia (EEG).
Ao mesmo tempo, uma câmera de vídeo monitora a movimentação dos olhos para captar exatamente os pontos em que o participante foca o olhar na tela. O teste se chama eye tracking.
Outra câmera capta as expressões faciais, movimentos musculares na região da testa, bochecha e boca, num teste batizado de face code.
A partir dos três testes, que monitoram as reações do consumidor em frações de segundos, principalmente o EGG, o estudo mensura três variáveis de engajamento do consumidor:
• Atenção – O quanto de esforço é desprendido para entender a peça. Quando há muito esforço, o consumidor se cansa e “desiste” de assistir.
• Emoção – A intenção de se aproximar ou se afastar do conteúdo. Por exemplo, a maioria dos consumidores não se sente atraída por cenas de violência em publicidade.
• Memória – O quanto a peça desperta lembranças já existentes ao mesmo tempo em que cria novas memórias.
A Nielsen não revela quais e quantas empresas já contrataram estudos de neurociência do consumo. No entanto, em 2015, a empresa divulgou resultados prévios de um estudo feito para a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD).
O estudo identificou quais trechos da peça despertavam mais emoções positivas no consumidor – os trechos menos engajadores foram suprimidos. O vídeo, que originalmente tinha um minuto e meio, foi reduzido para 30 segundos.
O encolhimento se mostrou primordial para a AACD conseguir veicular a peça em emissoras de televisão – uma vez que a instituição conta com sessões gratuitas de espaço de mídia para divulgação.
NEUROCIÊNCIA NÃO É NOVIDADE
Na década de 1970, o tema neurociências ficou conhecido quando pesquisadores americanos realizaram testes cegos de degustação de Coca-Cola e Pepsi. Cerca de 75% dos voluntários escolheram a Pepsi como a melhor bebida.
Anos depois, neurocientistas constataram o que fazia a Coca-Cola ser mais consumida no mercado: as reações cerebrais eram desencadeadas pela embalagem, pois levava o consumidor a associar o produto às lembranças do Papai Noel, Natal e infância.
Ao mesmo tempo, com o avanço das neurociências, alguns mitos foram derrubados. De acordo com Copelli, a associação de uma cor a uma intenção de ação não é fisiológica, mas sim comportamental. Dessa forma, por exemplo, o azul nem sempre desperta sensação de tranquilidade – tudo depende da cultura de determinada população e das experiências de vida do indivíduo.
Paralelamente, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde ficam as instalações do núcleo de neurociências da Nielsen, pesquisadores estão aprimorando algoritmos de análise de dados e equipamentos. Já estão em uso testes integrados com outras biométricas, como sudorese, batimento cardíaco e frequência respiratória.
“Cada vez mais, os resultados ganharão em agilidade e precisão”, afirma Copelli. “São novas formas de medir reações humanas para conseguir predizer o efeito de ações de marketing e comunicação.”
Diário do Comércio