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‘Lei do SAC’ pode ganhar novas regras e ser estendida ao varejo

Muita coisa mudou no Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) nos últimos anos. Principalmente no que tange a tecnologia: houve investimento massivo em softwares de inteligência artificial, robôs, tudo para otimizar o atendimento via web, sem falar nas redes sociais.

Nada disso, no entanto, foi capaz de solucionar a insatisfação crônica do consumidor com o serviço, traduzida em 184 mil reclamações registradas nos Procons somente no ano passado.

As numerosas queixas levaram a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, a criar um grupo de trabalho para discutir a modernização da Lei do SAC (Decreto 6523/2008). A proposta é, até o fim deste ano, elaborar novos parâmetros de qualidade e de efetividade para o atendimento telefônico e virtual.

— O decreto do SAC está muito desatualizado. Ele só fala em atendimento telefônico. A ideia é regular os canais de atendimento que foram surgindo de acordo com os avanços da tecnologia, como as redes sociais, o e-mail, o SMS e chatbot, para que a gente consiga maior resolutividade. Queremos que os canais de acesso à empresa sejam seguros, forneçam a documentação necessária, por exemplo, para o consumidor se documentar — destaca Ana Carolina Caram, diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) da Senacon.

Rosely Fernandes, presidente da Associação Brasileira de Procons, que participa do grupo de trabalho, defende que seja ampliado o número de setores a terem seu atendimento submetido à Lei do SAC:

— Defendemos, por exemplo, a inclusão das empresas de varejo. Hoje apenas serviços regulados pelo governo devem obedecer à lei, como empresas de transportes de passageiros, de fornecimento de energia elétrica, bancos e operadoras de telefonia.

Para Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS) e professor de direito da UERJ, esse é o momento de incluir na legislação de atendimento cláusulas que garantam a privacidade e proteção dos dados pessoais do consumidor.

— Os dados pessoais colhidos pelos SACs dizem respeito a hábitos, poder aquisitivo e perfil do consumidor, informações cada vez mais monetizadas. É preciso aumentar o nível de proteção, para que o consumidor saiba o que foi coletado, onde será armazenado e para que será usado. Muitas vezes, as empresas compartilham esses dados com outros segmentos sem consentimento do cliente. É preciso criar normas para isso e garantir mais segurança ao consumidor — ressalta Souza.

A presidente da Associação Brasileira de Procons também entende ser necessário criar instrumentos que garantam efetividade ao serviço:

— Nosso pleito é que as empresas passem a encaminhar à Senacon relatórios de conformidade assinados pelo presidente ou ouvidor. O objetivo é que as instâncias superiores mostrem que estão cientes da qualidade do seu pós-venda e, mais que isso, possam aperfeiçoá-lo.

Rosely afirma ainda que é importante que a nova lei contemple formas de garantir que as regras sejam cumpridas. Isto porque, depois de nove anos de vigência do decreto, persistem problemas básicos, que já deveriam ter sido superados:

— A demora no atendimento, a dificuldade de cancelamento de serviços, a falha na prestação de informações ainda hoje causam desgaste ao cliente. Falta qualificação do atendente.

Demora no atendimento, queda da ligação, falta de resposta e, principalmente, falhas na prestação de informações estão entre as queixas listadas pela corretora de imóveis Barbara Leite Lisboa, em relação ao atendimento da Light. Em meados de julho, oscilações de energia elétrica em série provocaram a queima da sua geladeira, incidente atestado por perícia de um serviço autorizado. Imediatamente Barbara ligou para a Light para reclamar e exigir reparação do dano. Dois meses depois, continua sem solução. Nesse período, teve de comprar geladeira nova, o que só foi possível com a ajuda do irmão, e foi acusada pela empresa de não ter seguido os corretos trâmites administrativos.

— Você entra em contato, a ligação cai, liga de novo e fica um tempão esperando, as pessoas não são qualificadas, não informam corretamente. Gastei R$ 120 numa perícia e não me ressarciram. Primeiro disseram que seria em cinco dias, depois dez, 15, 30, 90. A empresa alega que não abri o processo administrativo corretamente, que devia de ter feito três orçamentos de conserto do motor e da placa, que queimaram. Mas isso nunca me foi informado. Falei com a Light pelo SAC, pelo 0800 e fui até a uma loja física. Fiz tudo o que me orientaram. Não tenho culpa se não me orientaram corretamente — queixa-se Barbara, que recorreu à Justiça.

Em nota ao GLOBO, a Light ratificou que o caso está “sendo tratado na esfera judicial” e informou que houve uma audiência, sem acordo, e que em 31 de outubro o juiz dará sentença. A empresa disse ainda ter prestado esclarecimentos sobre ressarcimento à cliente por carta e telefone.

Renato Cuenca, presidente da Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente, que também integra o GT para modernizar a lei do SAC, defende a flexibilização das regras. Ele argumenta que o decreto foi criado com normas “duras”, como a definição de 60 segundos para atendimento a partir da escolha da opção no menu:

— Hoje o cenário mudou. A relevância da questão é que o consumidor quer solução. Ele está disposto a esperar um pouco se a questão é resolvida de forma definitiva e satisfatória. E isso requer certo tempo — avalia Cuenca.

O advogado Igor Marchetti, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), por sua vez, teme justamente que a discussão acabe por “flexibilizar” as regras de modo que ocorra um afrouxamento do decreto.

— O discurso da modernização é positivo desde que não existam retrocessos. Entendemos que ocorreram mudanças na forma de comunicação, mas o decreto tem de ser adaptado para favorecer o consumidor. Não pode haver perdas de garantias, pois empresas ainda ignoram o decreto — destaca.

A diretora do DPDC garante que a atualização será feita pela “ótica do consumidor”, mas não descarta a ampliação do tempo de espera para atendimento, caso se conclua que isso pode se refletir em aumento do índice de resolução:

— Estamos no início das discussões, e esse grupo é bastante democrático. Temos vozes do consumidor, das empresas e das reguladoras. Vamos decidir pelo que for melhor para o consumidor.

 

Revista PEGN

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