É possível dizer que os efeitos da crise econômica estão obrigando os brasileiros a repensarem seus hábitos de consumo, principalmente, em relação a novos produtos.
A compra de itens usados desponta como uma das principais tendências de consumo para este ano, em estudos feitos pelo Sebrae-SP, pela consultoria Dim&Canzian e pelo Ibope Inteligência.
Todas essas pesquisas sugerem que além de aprender a consertar e recorrer a reformas há também muita gente comprando artigos de segunda mão.
O levantamento da Dim&Canzian aponta que 81% dos entrevistados passaram a se interessar por bens de segunda mão, com o aprofundamento da crise econômica.
A constatação é ratificada ainda pelo fato de que, de cada 100 entrevistados, 89 já compraram ou conhecem alguém que vende produtos usados de maneira informal.
Os números das empresas que trabalham com essa categoria corroboram a pesquisa. Na OLX, por exemplo, o número de anunciantes subiu 60% em 2016 em relação a 2015.
Já no Enjoei, página que hospeda mais de 370 mil vendedores de roupas e acessórios usados, o faturamento de 200 milhões de reais foi 100% maior que o de 2015.
Tamanho interesse tem razão de ser: um produto seminovo chega a ser até 70% mais barato que um saído de fábrica, de acordo com Marcos Leite, CCO da OLX Brasil.
Além disso, o executivo acredita que há um avanço na mudança de comportamento rumo a um consumo mais sustentável.
A internet também impulsionou a busca por produtos usados.Atento à tendência crescente na Europa e nos Estados Unidos, onde o mercado de produtos recondicionados representa 20% dos celulares em uso, Amaury Bertaud, 41 anos, fundou a Redial-Refone, que planeja faturar R$10 milhões neste ano.
Há três anos, a empresa compra celulares de pessoas físicas e de empresas, conserta defeitos e revende os aparelhos com lucro de até 30%. Modelos da Apple, Samsung e Motorola, que estão entre os mais procurados, são vendidos em média por R$800.
Com uma taxa de devolução abaixo de 5%, Bertaud fornece aparelhos reformados para mais de 300 empresas e comercializa em média 700 celulares por mês pela loja online.
Fatores como a crise econômica, que diminuiu o poder de compra da população, e o aumento do dólar, que faz o preço dos smartphones novos ficar mais alto, são algumas das razões que ajudam a potencializar esse movimento, na opinião de Bertaud.
No Google, a busca por celulares usados cresceu 75% no Brasil em dezembro de 2016, na comparação com 2015. Diante desse número, o empresário entende que atua num mercado ainda inexplorado, e sujeito a muita informalidade.
CONSUMO CONSCIENTE
O publicitário Alexandre Fischer, 37 anos, sempre desejou criar um negócio online que gerasse impacto real na sociedade e na vida das pessoas.
Depois de se deparar com um armário cheio de roupas que não serviam mais em suas sobrinhas, ele saiu a procura de um site ou loja física, onde sua irmã pudesse vender as roupas que acumulava das crianças.
Sem sucesso, a situação pareceu perfeita para a empreitada com que ele sempre sonhou. Fischer criou o Ficou Pequeno, um site onde pessoas de todo o país podem criar sua própria loja e comprar e vender roupas, sapatos, brinquedos e acessórios seminovos para bebês, crianças e mamães.
Como teste de mercado, o empreendedor divulgou a primeira lojinha com peças das sobrinhas Clara e Julia.
Além de vender todo o acervo, na primeira semana já havia mais de 20 lojinhas hospedadas com mais de mil produtos. Algumas delas já tinham vendido tudo o que anunciaram.
O site sugere vender pela metade do valor original, mas há itens até 80% mais baratos. Sem revelar o faturamento, o lucro da empresa vem de uma porcentagem sobre as vendas e a distribuição das peça fica a cargo de cada vendedor.
Hoje, são mais de mil lojinhas ativas, com mais de 13 mil produtos disponíveis. Ao todo, nove mil já foram vendidos e entregues em todos os estados do país.
Se antes esse tipo de negócio era apenas uma maneira de garantir uma renda extra, Fabiano Nagamatsu, consultor do Sebrae-SP, afirma que a tendência veio para ficar.
Durante anos, os consumidores brasileiros desenvolveram uma resistência cultural a comprar coisas velhas, e isso criou um estereótipo de que "coisas de brechó" eram sempre fora de moda.
"Hoje, a realidade é outra. A cultura que predomina é a do compartilhamento, e muitas coisas são vendidas ainda novas e com etiqueta".
Para aproveitar a oportunidade de negócio, obter lucro e deixar de lado as possíveis preocupações que um negócio desse tipo pode trazer, Nagamatsu lista os principais pontos a que é preciso ficar atento. Veja a seguir:
Detalhes – Faça uma descrição bem detalhada de cada produto a venda. Especificações, vídeos, avaliações e fotos que mostrem o funcionamento do produto fazem a diferença na hora da compra. Além disso, nunca deixe de apontar o defeito ou avaria de algo que está venda.
Foco – Delimite com quais produtos irá trabalhar e as avarias que serão aceitas por seu público-alvo. Vale mais a pena se especializar e se tornar referência em um segmento do que vender um pouco de tudo.
Evite roubadas – Muitos produtos à venda na internet são fruto de roubo ou furto. Confira o histórico de todo produto que será revendido em sua loja, e tenha informações cadastradas, como nome, telefone, documento e se possível um contrato informal com detalhamento e fotos do produto.
Defeitos – Cheque bem as condições de tudo o que irá comercializar. Mesmo não se tratando de algo com aparência de novo, o produto tem que funcionar perfeitamente.
Segurança – Tenha cuidado com todo item que de certa forma, possa armazenar algum tipo de histórico ou informação, como celulares, câmeras e notebooks. Restaure o aparelho para que ele seja vendido com as mesmas configurações de fábrica antes da primeira venda.
Garantia – Mesmo se tratando de um produto usado, é necessário oferecer garantia obrigatória de até 90 dias, de acordo com o item. Ao finalizar uma venda, especifique o estado do que está sendo vendido e documente por escrito. Se possível também faça testes do produto na frente do comprador.
Preço – Antes de definir preços, pesquise valores no mercado semelhante. Assim, você evita cobrar caro demais ou perder dinheiro.
Diário do Comércio